Por
Vicentônio Silva
Chamou
ao fim da tarde para mostrar-me o computador zero quilômetro comprado em
dezessete suaves prestações sem juros, primeiro pagamento sessenta dias depois
da compra. O técnico instalara a máquina. Apresentara-lhe os procedimentos de
entrar nos sites de notícias, de esportes, de vinho, de pólo aquático, de
companhias aéreas e de roteiros turísticos. Com o tempo, a curiosidade e a
praticidade, descobriria novos endereços eletrônicos e perderia horas diárias
na frente da tela, buscando informações esquecidas após minutos,
desinteressando-se das atividades físicas eventualmente praticadas e largando
no esquecimento as obrigações pessoais mais maçantes.
Sentou-se
na cadeira da mesinha do computador, apontou-me um banco de cinco pernas –
feito pelo filho mais velho numas aulas de marcenaria da escola técnica – e,
sem receio, sorriso estampado e olhos provocativos, acionou o botão do estabilizador,
apertou o da CPU, fixou os olhos no monitor. Sem sucesso, aguardamos dez ou
quinze segundos. Calmamente, voltou a apertar o botão do estabilizador, o da
CPU, fixou os olhos no monitor.
-
Inferno! Gritou, levantando-se exasperadamente, dando a volta na mesinha, pesquisando
os fios traseiros como se fosse capaz de detectar o problema. – Comprei essa
máquina hoje. Hoje o rapazinho instalou, ligou, mostrou o funcionamento, deu-me
algumas dicas. Bastou ele sair para, logo de cara, essa porcaria dar-me dores
de cabeça. Mas, será possível?
Soltou
cinco ou seis palavrões. Mais uma vez, iniciou o procedimento de apertar o
botão do estabilizador e da CPU, olhando, angustiado e esperançoso, a reação do
monitor. Nenhuma imagem, nenhuma manifestação, nenhuma letra.
-
Também não pago nada. Fiz o negócio em dezessete prestações, sem juros,
pagamento em sessenta dias. Quem disse que pago? Suspendeu a cadeira nova –
comprada no conjunto com a mesinha – e a jogou de lado. Tentei acalmá-lo,
contudo os olhos raivosos advertiram-me a distância necessária para manter-me
inteiro.
Entrou
furioso no quarto. Carnê das prestações. Pegou o telefone, trêmulo. Discou o
número gratuito, explodiu de raiva, ameaçou o atendente. Do outro lado da
linha, o rapaz solicitava a verificação de acoplamento dos fios entre o estabilizador
e a CPU, entre a CPU e o monitor, entre o monitor e o estabilizador. Tentativas
frustradas, xingamentos exasperados, técnico em quarenta e cinco minutos.
O
técnico da empresa chegou aos trinta e três, período durante o qual sentamo-nos
embaixo do abacateiro, conversamos sobre a ascensão do campeão fluminense,
divergimos em torno das mudanças estruturais no trânsito urbano, recordamos os
tempos em que praticávamos a travessia fluvial entre Presidente Epitácio e
Bataguassu, demorando horas na água indomável...
Assim
o técnico despontou ao portão, quis dizer poucas e boas ao menino de dezoito
anos, entretanto percebeu, ainda em tempo, que ele não tinha culpa da loja
adquirir computadores de péssima qualidade, provavelmente vindos da China.
Amistoso, um copo de Coca-Cola ao rapaz que, sentindo-se acolhido, desculpou-se
pela demora, alegando serviço no outro lado da cidade e pequeno incidente
durante o trajeto: a caixa traseira da moto abrira-se, ferramentas espalhadas
na rua, ninguém ferido.
Quando
entramos, meu amigo começou a ladainha. Suspenderia o pagamento, devolveria a aparelhagem
e, se já tivesse dado entrada, exigiria o dinheiro de volta. Como confiar numa
máquina, primeira vez já falhava? Caso de vida ou morte, como ficaria? Perdera
praticamente a tarde inteira. Desejava ainda aproveitar o início da noite para
indicar-me endereços de sites interessantes, longamente pesquisados.
Atencioso
e cortês, o técnico desculpou-se novamente pela demora e prontificou-se a, se
necessário, levar reclamações diretamente ao gerente do consumidor. Deu um
volta, olhou os fios.
-
Já achou o problema? Indagou meu amigo, incrédulo.
O
técnico pegou o fio, introduziu na tomada de energia, acionou o botão do estabilizador,
apertou o da CPU e, magicamente, o monitor se acendeu.
*Publicado
originalmente na coluna Ficções,
caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 14 de setembro de
2012.
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