sexta-feira, 1 de junho de 2012

ÁRVORES DE FIDELIDADE

Por Vicentônio Silva


Um grupo de índios perambulou por uma cidade paranaense em busca de indivíduo que, mesmo sabendo do matrimônio, arrastou asa para uma índia. Depois de encontrá-lo, deixou de lado os gritos de guerra, as agressões físicas e as balbúrdias costumeiras para adverti-lo do mau comportamento e, em seguida, como sentença ao crime praticado contra os costumes, algemaram-no (ou será que amarraram-no?) à árvore de pequeno porte numa rua movimentada.


Os estudiosos do Direito, da Sociologia, da Filosofia e dos Direitos Humanos congregam milhares de seguidores em simpósios, mesas-redondas, jornais, debates ou entrevistas em rádios e televisões a fim de discutirem as penas apropriadas que surtam efeito, inibam os futuros criminosos a se aventurarem nos caminhos fora da lei e ampliem a sensação geral de segurança, construída de atos e atitudes que sirvam de exemplo. Tantas discussões, poucas práticas, eficácias duvidosas e, na maioria das vezes, inúteis. Talvez juristas, sociólogos e filósofos pudessem trocar livros, computadores, gravatas e teorias por árvores, malocas, tangas, observações de práticas e aplicação de métodos que, sem violência ou maus-tratos, economizariam milhões de reais aos cofres públicos.


O dinheiro inicialmente destinado à construção de presídios, penitenciárias, cadeias e casas de abrigo ou de internação de menores de idade tomaria rumos mais interessantes: aumento de salários e contratação de professores, construção de hospitais, diminuição da carga horária de trabalho, ampliação do período de férias, alternativas de financiamentos mais baratos para viagens e aquisição de bens duráveis, áreas de lazer com piscinas e churrasqueiras para o verão, deliciosos jantares e filmes para o inverno, ciclovias e parques infantis em todos os bairros... Uma pontada no coração dificilmente levaria mais de mês para ser examinada no hospital. O pedido de empréstimo bancário para reformar o telhado levaria menos de uma semana.  Que tal assistir ao jogo de seu time do coração não pela imagem da televisão, nem pelas ondas do rádio, nem pelos resumos da internet, mas diretamente no estádio, deslocando-se até lá num ônibus com serviço de bordo? E, para as mulheres, o que acham de irem mensalmente às compras nos centros comerciais de sua preferência?


As opções econômicas são diversas, mas me concentro em imaginar a eficácia da aplicação de penas singelas e, ao mesmo tempo, de alto caráter regenerativo. Dificilmente boa parte de homens e mulheres presos às árvores voltaria com ganas ao convívio da comunidade sem antes passar uns dias em casa, refletindo sobre deslizes e comentários que os seguiriam em qualquer lugar. Se entrassem no super-mercado, alguém rapidamente os reconheceria. Se parassem na fila da farmácia, do posto de combustíveis ou do açougue, o silêncio geral e os olhares inquietos denunciariam o contraventor.


A situação mais cômica ficaria a cargo das crianças que, na escola, nas associações ou nas ruas, alardeariam a presença – transitória ou permanente – do sujeito ou da madame: - A senhora não é aquela que estava amarrada durante o fim de semana no pinheiro do cruzamento da rua 13 de maio com a Coronel Albino? A mulher ruborizaria ou, tomando os ares modernos em que nos encontramos, confirmaria com grande estardalhaço a falta cometida e sairia aplaudida pelos meninos, estupefatos em constatarem alguém tão regenerada e reintegrada ao convívio social.


Claro que, além do lado jurídico e econômico, os âmbitos educacional e ambiental ganhariam destaque à medida que os casos descobertos demandassem aplicação maior das penas e, em pouco tempo, os canteiros das ruas, das avenidas e das praças resplandeceriam de ipês coloridos, de roseiras, de flamboyants. Goiabeiras, macieiras, jabuticabeiras, pés de acerola, de seriguela e carambolas também comporiam a lista, facilitando a vida de quem, mãos amarradas, comeria as frutas naturalmente nascidas enquanto esperasse o fim da pena.


O único ponto preocupante é que, como ressaltou um amigo teólogo, do jeito que as coisas andam, é bem possível que, em pouco tempo, não encontremos mais terras para plantar tantas árvores.


*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 1 de junho de 2012.

Nenhum comentário:

Postar um comentário